quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

A BELA D'ERMESINDE

A BELA D'ERMESINDE




 


O “ISOLAMENTO” DA BELA




 
    Muito se combateu esse isolamento, com protestos e artigos em “A Voz de Ermesinde”, como é o caso de Afonso Maça, que no dia 30 de Setembro de 1991, escrevia assim sob o título ”Ermesinde trinta anos mais tarde:
   
     «Ontem o João da Silva Saudade não chegara a passar o Rio Leça para a margem direita a fim de percorrer o pitoresco Lugar da Bela. Vira ao Longe um frondoso pinhal que há uma dúzia de anos se prolongava quase até ao rio. Hoje um enorme casario galgou sobre o pinheiral.
     Conhecia como ninguém estas paragens. Não fora ele amante da natureza e da vida ao ar livre! Tinha aqui alguns amigos da sua da sua condição social. Uma meia dúzia de casas muito encostadinhas à Linha do Minho como que a significar que o progresso passava ao lado. Atarracadas umas nas outras para se protegerem melhor do frio e porem em comum as muitas misérias que as unem. São pessoas que foram atiradas para este lugarejo de outrora e nele permanecem até hoje. (...)
     (...) — Mas ainda continuam a entrar por este Pontão! O mesmo da minha juventude! Nessa altura a Bela não tinha praticamente nenhum carro, hoje tem centenas. Será que este Pontão pertence ao Património Artístico Nacional e por tal facto não quererão tocar nele?»
    
    No ano de 1996 começaram as obras para o alargamento do pontilhão e rebaixamento da rua Bartolomeu Dias. O Jornal “A Voz de Ermesinde” dava destaque da notícia, com o título: “A Primeira ligação ao Lugar da Bela está a mudar o visual”, pelo punho do articulista Marques de Almeida:
   
    «Finalmente os moradores do lugar da Bela respiram de alivio ao assistir, com imensa alegria, ao decorrer das obras de grande transformação da entrada para aquele lugar, no sitio onde, ainda há pouco tempo, existia desde o longínquo ano de 1875, um estreito pontilhão, onde nesse mesmo ano, foi assente a linha do Caminho de Ferro do Minho, e que foi alargado para dez metros. Com efeito, as sete habitações térreas, em estado de degradação desde há muitos anos, eram conhecidas pelas “Casas do Albertino Preto”, que davam uma imagem pouco digna àquele lugar, tiveram, finalmente o destino, o destino que desde há muito ansiosamente se esperava; foram vítimas do camartelo implacável da nossa edilidade camarária. Com esta medida, que na nossa opinião, merece da parte de toda a população daquele lugar um justo aplauso, assistimos, sem duvida, a uma mudança radical de degradado visual daquela entrada, em boa verdade, nada dignificava aquele já tão populoso povoado sobranceiro à margem direita do bucólico Rio Leça.
    Mas não só este significativo melhoramento se operou naquela entrada, como também prosseguem, a um bom ritmo, as obras de rebaixamento do piso da rua, que possibilitará no futuro, que esperamos seja breve, a criação duma tão desejada e bem necessária, carreira de autocarros para aquele lugar.
    (...) está também nos planos da Câmara, um possível alargamento da mesma rua até à Escola da Bela, o que seria ouro sobre azul, a merecer, igualmente, os encómios de todos os habitantes, já bastantes sacrificados. Com estas obras é caso para “A Voz de Ermesinde” dar os parabéns aos felizes residentes do Lugar da Bela.» 
      
     
 
 
O ANTÓNIO ABREU
 
 
     Já anos antes, em 1982, o atento morador do lugar, o António José de Abreu, chamava a tenção no recém-criado jornal da Bela (órgão informativo da União Desportiva Cultural e Recreativa da Bela), para o isolamento do lugar:
 
 
    «Encravado no meio das vias-férreas, Douro e Minho, o lugar da Bela é bem o símbolo do isolamento face ao centro da freguesia.Com efeito tendo em consideração, o grande impulso que este mesmo lugar levou nestas duas dezenas de anos, tornando-se por mérito próprio num dos lugares mais populosos de Ermesinde, o mesmo convém realçar, que nem sempre esse surto de crescimento populacional, foi acompanhado pelo progresso e bem estar dos seus moradores, se tomar-mos em consideração o cerco a que estamos submetidos, face a pura realidade dos nossos olhos.
    Não poucas vezes se tem falado até com frequência nos meios de comunicação social, deste isolamento, dos projectos como alternativa ao mesmo, dos perigos a que os seus moradores estão sujeitos, servindo-se para tal, das vias-férreas Douro, e mais propriamente Minho, fazendo delas autenticas ruas de peões, quando toda a população sabe, que esse ponto de passagem para além de ser pouco cómodo, é proibido, e acima de tudo uma autentica armadilha onde o perigo espreita a cada momento.
    Com efeito, não tenhamos a menor duvida, é este o problema mais grave com a população deste lugar se debate, tanto mais, que achei por bem entender e aproveitar a criação do jornal deste lugar, para através do mesmo fazer sentir o meu descontentamento.»
 
 
 
 
AS ZONAS VERDES
 
    Ao verem o compulsivo desaparecimento de todo o “pulmão” da Bela, com a urbanização e construção desenfreada no lugar, sem qualquer projecto que indicasse alguma parcela de terreno, destinado à preservação de zonas verdes pela Câmara de Valongo, um grupo de pessoas uniu-se com o propósito de fazerem um pedido à Câmara Municipal, que fosse possível pôr um travão a tal desastre. A resposta não podia ser mais desanimadora, como podem ver neste artigo de Fernando Seixas, publicado no JN:
 
     « (...) A Bela, antigo local de vasta vegetação, as construções foram invadindo o lugar. Resta um espaço verde que a população local vai aproveitando. Contudo, surgiu o alerta quando o “cerco” das edificações se foi apertando.
     Os habitantes da Bela dirigiram-se à Junta para que esta levasse a Câmara a considerar vedado à construção o tal espaço.
     A Junta, no dia 12 de Maio, dirigiu um ofício ao presidente da Câmara chamando a atenção para o facto: “Alertados pelas populações, pudemos verificar junto dos serviços técnicos, que efectivamente, aquela zona é considerada de construção viável” — lê-se no ofício. “Por tal facto (...) reafirmamos a nossa atitude em face da possível concretização do projecto de extinção (da zona verde) exigindo, da nossa parte, a interditação de qualquer projecto de construção” — remata o documento. Em resposta, o presidente da Câmara, depois de afirmar que: “para o terreno em questão, encontra-se já, em parte, autorizado um loteamento”, a Junta e os moradores, se quiserem que o terreno se conserve livre (portanto como zona verde), devem “adquirir” no todo ou em parte, o pinhal em questão”»           
 
 
 
 
A FONTE DOS AMORES
 
Conforme a descrevem os autores que falo atrás:
 
    «A Fonte dos Amores, fazia há quatro décadas, o regalo dos moradores e de quantos ali acorriam, ao idílico e pitoresco Lugar da Bela.
     Ali, o precioso e puríssimo líquido jorrava e corria a esmo pela vertente da pequena encosta, entre ervas e flores naturais, até desaparecer no Leça. Em Agosto de 1953, a Junta da Freguesia declarou a insalubridade das suas águas, deliberando proceder ao seu arranjo.
    Hoje desapareceu, vítima do progresso que, infelizmente, obriga a estas perdas irreparáveis que só não se perdem de todo porque ficaram registadas nas retinas de alguns olhos saudosos do passado, e se reavivam através de fotos que preservam essas imagens para a posteridade. É o caso desta encantadora “Fonte dos Amores”, focada pela nossa objectiva há muitos anos (foto da capa), que podem mostrar todo o sortilégio e bucolismo que a rodeava, envolta pela ramagem verdejante e pelos ares puros e sadios, oxigenados pelo frondoso arvoredo e, principalmente, pelos eucaliptos e pinheiros que ali se erguiam e davam sombra e beleza ao local, que deu azo a tantas histórias, a lendas, a sonhos e até desvarios.»
 
N/A: Existe hoje no mesmo lugar, uma fonte, a que chamam a Fonte dos Amores, mas que não é, pois a verdadeira há muito desapareceu. Pode-se ler no local: “C. M. V. 1966” e ainda, “Água imprópria para consumo.” 
 
 
 
 
O BUSTO DO PADRE AMÉRICO
 
 
     Com o relato feito pelos mesmos autores, aqui descrevo o dia da inauguração do busto do Padre Américo na Bela:
 
    «O Padre Américo fundador dessa grandiosa obra do Gaiato da Rua, que tem a sua sede em Paços de Sousa, teve justa consagração em Ermesinde, com a inauguração de um busto a perpetuar a memória desse sacerdote, que dedicou a sua vida aos gaiatos mais carenciados e abandonados da rua. A inauguração do busto do Padre Américo, erigida no lugar da Bela, foi feita por Monsenhor Miguel Sampaio, com o descerramento de uma lápide colocada no monumento onde foi gravada a seguinte inscrição: “Pai Américo / 1887-1956 / homenagem da População de Ermesinde / 5-10-1977”
     A ideia e sua concretização, partiu da Comissão de Moradores, presidida por Marques de Almeida, e contou com a generosidade da população de Ermesinde que não esquece aquilo que o Padre Américo fez pelos mais pobres, mesmo de Ermesinde. Nesse mesmo dia, foi inaugurada também a Rua do “Bom Samaritano”, nas proximidades do Largo onde se encontra o busto, tendo a respectiva placa sido descerrada pelo Prof. António Ferreira dos Santos, Administrador do Bairro. A Junta de Freguesia de Ermesinde, o Pároco de Ermesinde, o C.º de Ass.ª Social, a Casa do Povo, os Bombeiros com a sua fanfarra, os Escuteiros e ainda algumas Colectividades de Ermesinde e muito povo associaram-se a ambos os eventos, que contaram também com uma Exposição de Fotografias legendadas sobre a vida e obra do Padre Américo.»

 

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